HΦMENS
Montagem realizada como atividade final da disciplina Produção e Realização Artística do Programa de Pós-Graduação em Arte da UnB, ministrada pelo Professor Dr. Marcus Mota.
HΦmens é um trecho coreográfico composto por meio de séries de improvisação a partir do texto “As Suplicantes” de Ésquilo com o foco nas relações da mulher com o sangue em seus ciclos vitais. O sangue da perda da virgindade, o sangue menstrual, do pós-parto e abortamento, a imagem de mulheres apedrejadas que aparecem em documentários televisivos e que causam choque em quem os assiste, os massacres femininos ocorridos em diversos contextos ao longo da história da humanidade e que estão no imaginário feminino e atualmente ilustram nossos noticiários, serão imagens agregadas à pesquisa gestual. Segundo Michel Foucault, poder falar “através” do sangue “é uma realidade com função simbólica” (1988: 138 – grifos do autor). A expressão estará fundamentada nessas imagens, nas idéias e nos resultados obtidos com o grupo durante os laboratórios de criação.
O trecho do livro História da Sexualidade I: a vontade de saber (1988) de Foucault, citado abaixo, será uma fonte alternativa ao texto de Ésquilo para subsidiar as improvisações.
- Por muito tempo, o sangue constituiu um elemento importante nos mecanismos de poder, em suas manifestações e rituais. Para uma sociedade onde predominam os sistemas de aliança, a forma política do soberano, a diferenciação em ordens e castas, o valor das linhagens, para uma sociedade em que a fome, as epidemias e as violências tornam a morte iminente, o sangue constitui um dos valores essenciais; seu preço se deve, ao mesmo tempo, a seu papel instrumental (poder derramar o sangue), a seu funcionamento na ordem dos signos (ter um certo sangue, ser do mesmo sangue, dispor-se a arriscar o próprio sangue), a sua precariedade (fácil de derramar, sujeito a extinção, demasiadamente pronto a se misturar, suscetível de se corromper rapidamente)
[...] Quanto a nós, estamos em uma sociedade do “sexo”, ou melhor, de “sexualidade”: os mecanismos de poder se dirigem ao corpo, à vida, ao que a faz proliferar, ao que reforça a espécie, seu vigor, sua capacidade de dominar, ou sua aptidão para ser utilizada (138).
A base técnica da composição é a dança do ventre sem, contudo, descartar outras formas de mover, dançar e representar.
Pesquisa gestual:
Sensações de opressão, papéis a se representar em troca de aceitação social, as representações da mulher como objeto de desejo, as formas de controle sobre o corpo feminino, estarão presentes nos laboratórios de criação. A pesquisa de campo conduzida na cidade do Cairo – Egito, em novembro de 2005, para o mestrado forneceu à pesquisadora idealizadora desse roteiro a sensação de um corpo bastante contido, por causa da utilização de roupas compridas e pelo controle do ato de gesticular, considerado inadequado para uma mulher em público. Impressões de um controle corporal; uma vigilância ostensiva nas formas de comportamento, o controle da abertura da boca, a proibição de mostrar a língua ao falar, e de tocar as pessoas em público, principalmente os homens, não poder rir alto, olhar as pessoas nos olhos, mostrar os dentes, ou seja, uma porção de sensações que agora se pretende expressar artisticamente.
A impressões acumuladas no corpo durante a pesquisa de campo auxiliarão na escolha de imagens para projeção no espaço cenográfico, durante a performance artística, podendo conter cenas de mulheres em inúmeras situações cotidianas, provenientes de diversos contextos culturais, para estimular a reflexão sobre as representações femininas.
Trilha sonora:
Composição musical de base contendo a música Shlounik Yani Shlounik de autoria de Setrak Sarkissian, com inserção de samplers de outras sonoridades, aproveitando sons captados durante a pesquisa de campo. Além disso, será utilizado o estímulo da pesquisa realizada por Eufrásio Prates, onde movimentos realizados durante a apresentação serão transformados em sons de serpentes.
Música base da performance
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Encontros:
O grupo teve seu primeiro encontro em 17 de julho de 2010. Nessa oportunidade foram discutidos os elementos do trecho a ser composto coletivamente e combinados os dias e locais de ensaio. 20/07/2010 - Primeiro ensaio. Improvisação com base em imagens diversas de mulheres em trabalho de parto, usando burcas, portando armas, abraçadas a falos gigantes, ensanguentadas, queimadas, lidando com o sangue mestrual, posando para revistas masculinas (todas as imagens projetadas em telão). Enquanto as imagens eram projetadas, músicas árabes clássicas eram executadas no aparelho de som. Houve certa resistência e frustração por parte do grupo e conduzimos uma discussão ao fim do encontro para posicionamento individual a respeito do processo. 22/07/2010 - Laboratório de criação com base na música Shlounik Yani Shlounik. Essa escolha foi feita para pautar um roteiro menos aleatório para o laboratório. A improvisação fluiu e o grupo sentiu maior conforto durante o encontro. Foram tomadas algumas decisões em relação à composição cênica e demos início à contrução das personagens individuais. A música ajudou por trazer as sonoridades que faziam alusões sutis a partes do texto de Ésquilo. Decidimos usar armas diversas para aniquilar os "maridos" imaginários de nossa composição. 24/07/2010 - Ensaio com marcações coletivas e espaciais. Definição do roteiro cênico. Escolhas de acessórios e peças para o figurino. Opção pelo uso da espada de dança do ventre como arma única para todo o grupo. Peças de figurino foram agregadas, fornecidas pela Designer Flávia Amadeu. Também escolhemos utilizar símbolos de casamento - véus, grinaldas, alianças, buquês etc - em uma das cenas compostas. 27/07/2010 - A partir do roteiro, foram desenhadas cenas e especificados os momentos da música onde seria adequado coreografar marcações mais definidas e sincrônicas. O grupo passou por um momento de maior integração numa das cenas onde as irmãs tomam consciência de seu problema coletivo. | 29/07/2010 - Elaboração de alguns trechos de movimentos sincrônicos coreografados. Definição das cenas até pouco mais que o meio da música. Ensaio com alguns acessórios cênicos.
31/07/2010 - Ensaio bastante produtivo, mais longo que os outros e com maior participação de integrantes. Aprendizagem e treino das coreografias sincrônicas. Definição de trios para uma das cenas onde a interação em pequenos grupos se mostrou necessária. Discussão de detalhes do figurino e acessórios cênicos. 03/08/2010 - Definição de algumas cenas. Marcação da dança até o décimo minuto da música. Agendamento dos próximos ensaios. Composição das cenas coletivas coreografadas. Ensaio de repetição. 07/08/2010 - Ensaio com música e sonoridade "cobra cega" de Eufrásio Prates. Uso das espadas na cena de morte dos "maridos". Ensaio do nascimento - tubo vermelho. Conversas sobre figurinos e acessórios, cenários etc. Data limite para ensaio com objetos cênicos definida para a próxima semana. 10/08/2010 - Ensaio com espadas e objetos cênicos de casamento. Decisão de eliminas a "cobra cega" e investir em sons de mar, pássaros e outros ruídos inseridos diretamente na música. 12/08/2010 - Mais ensaio e marcações. 16/08/2010 - Ensaio registrado em vídeo. Finalização das marcações de cena. Decisão por cortes e simplificações devido ao tempo. 19/08/2010 - Ensaio de toda a coreografia registrado em vídeo. 20/08/2010 - Compartilhamento do vídeo com a turma da disciplina da pós-graduação. Crítica dos colegas e do professor. 23/08/2010 - Ensaio geral com crítica do professor Marcus Mota. |